sexta-feira, 23 de abril de 2010

Querido amigo II

São Paulo, 23 de abril de 2006.


Querido amigo,

Cartas podem parecer coisas em desuso, ainda mais em tempos de email e celulares, mas eu não resisti, ao imaginar que você pegaria esse papel em suas mãos e passaria seus olhos sobre ele. São tantos cruzamentos sobre os quais falar, que nem sei por onde começar. Afinal onde é o fim/inicio da rede? Sem falar que ela não tem centro: tem nós.

Você me segredou muitas preciosidades nas ultimas missivas. Teríamos metros de papo e ainda assim eu estaria atrasada com as respostas. O artista em crise, deslocamentos, novos acordos, configurações atualizadas. Óbvio que me preocupo com você e arrisco que só os corajosos vivem plenamente, tanto perto do perigo, quanto perto da alegria da descoberta de novos universos. Ele é tocado e atravessado pelo mundo com suas pessoas, coisas (seres os mais diversos), sonhos e encantamentos. Tudinho em tempo real. Inventa critérios e fica brincolando texturas e entendimentos. Não só o artista, o brasileiro parece muito assim.

Eu, do lado de cá, estou dentro de uma missão coletiva e muito séria (e para mim, encantadora, já que sempre quis ser filósofa) de construir argumentos, critérios e textos para responder porque a dança é uma área de conhecimento – com epistemologia própria e objetos singulares. Quer dizer, será que toda dança é uma forma de conhecimento? Que tipo de conhecimento tem na dança? Existem regras/princípios/características universais entre as produções desse conhecimento ou não? Será que toda dança produz conhecimento?

Durante a festa, o que mais aconteceu foram corpos chacoalhando nas mais diversas direções, planos e velocidades. Não teve um que não tenha dançado, posso lhe assegurar. Como disse uma amiga, “o funk une as pessoas”, coisa que concordei imediatamente ao ver todas (e todos) “descontrolados” na pista improvisada. Foi radiante!

O paper que mandei para o congresso de Space Art foi aprovado e eu fiquei nas nuvens. (hehehehe) Como tem sido de praxe, não poderei ir pq 1) as agências de financiamento de pesquisa exigem que o pedido seja feito no mínimo 90 dias antes (como se na vida real as coisas fosse resolvidas com essa antecedência...); 2) ministério da cultura com edital de concessão de passagens fechado (além de não responderem email); 3) crise política, crise econômica, instabilidade financeira, sujerada desvelada pra todo lado..

Vou estender a roupa. Está um domingo ensolarado e eu preciso aproveitar. [...] Também descasquei cebola, abobrinha italiana e uma cenourinha básica. Sabe que a gente vive com a eterna sensação de fim de mês, economizando, sendo criativo, inventando moda, enfim. Vou fazer um risoto a la Lovelace, como chamei, com bastante curry, arroz semi-integral, vegetais (não os dos governos de cultura e editais), temperos e outros encantamentos/condimentos secretos. Lamento não poder jogar meu feitiço adiante, não tenho convidados para o almoço, o que pode acabar fazendo com eu coma de mais ou de menos.

Ta ficando menos ensolarado a ponto de, talvez, eu ter que usar a expressão levemente nublado.

Logo termino de lavar a panela que esta de molho, para fazer o arroz. Escuto o interfone do prédio ao lado disparado. O mundo anda muito barulhento, meu querido, pelo menos aqui perto de casa. É o ruído do portão da garagem do vizinho, o taxista que fala gritado, buzinas, carros, ônibus, caminhões, o pagode do apartamento ao lado no volume máximo, e assim sucessivamente.

Além disso, tb tenho me sentido meio defasada tecnologicamente (embora eu adore um brechozinho, um crochezinho e uns espartilhos) estou sentindo falta de um computador mais potente (meu teclado e mouse foram pro pau), um aparelho de som(pq o meu “dinossaurico” só ta funcionando o rádio e umas fitinhas cassetes), uma televisão que tenha entrada para DVD, uma tábua de passar roupa, um robô-aspirador em forma de tamanduá bandeira...

Há muito o que fazer e o sol voltou a brilhar!

Adoro quando diz “faça seu conto”. E você, mesmo quando afirma que não tem palavras, apenas paralelepípedos no peito, ainda assim, fala tão bonito. Tão cheio de letra. Com tanta vogal. Uma coisa poeta-meio-flor-escapanado-do-arame-farpado-porque-saiu-voando-noo-bico-do-beija-flor, sabicumé? Quase lamento, quem foi que me disse que a borboleta pode machucar a asa quando ta saindo do casulo? Não veio de você que “quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento”?

(a Nina espreguiça, se enrosca e parece o bicho mais feliz que existe dentro de sua própria pele na face da Terra.)

Concordo, nada de moedas. Nosso bando precisa voltar a andar junto. O sol firmou, quem podia esperar?

Vou torcer outra máquina, que é para gringo nenhum entender. Tenho pilhas de papel e o arroz por fazer.

Olha o meu angu: cebolinha e alho frito na manteiga, arroz marronzinho, kinua, uma cenoura quase inteira, uma abobrinha inteirinha, semente de linhaça, água fervida, sal, curry, pitadas de pimenta branca moída, entre mexidas misteriosas. Ta tudo lá na panela, cozinhando, cozinhando, cozinhando no ritmo do “café com pão”. Senti uma falta danada de um copo de vinho. Ta quase pronto, o arroz criando rapinha. Acabei comprando duas cervejinhas, devo terminar o dia sem sair de casa. Tem hora que a melhor coisa a fazer é comer uma maçã de sobremesa e sossegar o facho. Quantos planos a fazer? E o arroz criando rapinha. Mais goles de cerveja. Eo arroz criando rapinha. Vou desligar o fogo senão queima.

Se eu pudesse, te daria o pôr-do-sol que tem aqui. Por mais incrível que possa parecer, esse solzinho de fim de tarde é de uma luz sensacional. Dá uma coisa boa no corpo, no olho, no pensamento. Dá vontade de namorar, fica romântico. Boas idéias pipocam. Se eu pudesse te daria esse presente, esse estado, essa iluminação. Uma fresta atinge os dedos no teclado. Nesse meio-tempo, quase esvazio o copo. Mandarei uma encomenda para você pelos que estão indo.

Ando quilos mais magra, virando yogue. Meu corpo, com costas-destravando, está soltando chacras adiante. Respiro, respiro, respiro. A melhor aeróbica. Sinto dor por tudo que é músculo mas ela é alegre e viva. Supero limites, viro deponta cabeça, respiro pelas narinas, entôo om. Agora agarrei meu muiraquitã e não tiro o patuá da carteira nem que a vaca tussa! Para tempos de solidão-solitária, solidão a dois, solidão em família... O fato de estar sozinha-povoada num almoço de domingo mais ou menos ensolarado/nublado vai cair muito bem. Não podemos nos esquecer que, muito pelo contrário, estou absolutamente bem acompanhada. Porque afinal de contas nada disso aqui estaria acontecendo se você não estivesse aí me ouvindo com teus olhos-garras.

No vale tudo da vida, não esqueço o protetor solar. E faço minhas preces para estar mais perto de quem amo.

Saudades oceânicas nos aproximam.

Antes que o sol se vá, receba meu abraço,

Muitas de mim, com a boa e velha ginga.



Maíra Spanghero

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Vestido curto...





O vestido foi usado pela primeira vez em 1971 por Dione na sua festa de formatura da alfabetização.














Abaixo, 20 anos depois, é usado por sua filha Diane na festa de Natal da escola em 1991.




Agora, 19 anos depois, faz parte da divulgação do novo trabalho do Grupo X.





O vestido hoje, ontem e anteontem.



domingo, 11 de abril de 2010

Querido amigo...! Maira Spanhgeuro

Iniciando pesquisa com o texto/carta, autoria Maira Spanhguero.

Querido amigo,

Cartas podem parecer algo em desuso, ainda mais em tempos de email e celulares, mas eu não resisti, ao imaginar que você pegaria esse papel em suas mãos e passaria seus olhos sobre ele. Saõ tantos cruzamentos sobre quais falar, que nem sei por onde começar. Afinal onde é o fim/início da rede?Sem falar que ela não tem centro só nós. Parte 1.

As conquistas das pesquisas em rede...

Querida amiga, Maíra, cartas podem parecer coisas em desuso, ainda mais em tempos de email e celulares, mas eu não resisti , ao imaginar que você veria esse email em seu computador e passaria seus olhos sobre ele. Eu, do lado de cá, em Salvador, bastante quente e com muitos suores, que toma todos os poros do corpo fazendo-os brilhar, gordurinhas saindo, o corpo muito feliz. Leio sua carta (proposta do dançarino Edu O, por achar que se aproxima do jeito de criar do Grupo X), lembranças e saudades invadem meus pensamentos e sorrio por dentro, imaginando as despedidas. Maravilhosamente , e , diria, sutilmente, suas palavras, interrogações, suspiros e o ensolarado dia nublado se encaixam e se metamorfoseam (sorrisos), em nossas ideias X. Suas palavras soam aos nosso ouvidos e aos nossos olhos de garra, inspirando-nos. Que ótimo, temos um roteiro maravilhoso, uma estrutura móvel onde podemos criar um tecido poético. Estamos todos irradiantes com suas noticias ( edu, hugo, ricardo, jamiller, diane(dançarinos), mirella(atriz),ricardo (musico) vitor(videomaker), e estamos enviando abraços apertados e suados por causa do sol que aquece o mundo do lado da cá. Aproveitando que estamos também nas nuvens (fomos contemplados por editais (rs)), queremos saber se voce nos autoriza a usar sua carta em nosso espetáculo. Esperamos ansiosamente que sim, e não repare a urgência da resposta, pois vivemos o tempo dos sem tempo, estamos correndo na frente da vida para arranjar horário de ensaio, figurino colaborativo, para o dia da apresentação que será nos dias, 22,23,24 e 25 de Abril, as 20h. Estamos no mês da dança aqui na terrinha.De qualquer sorte, já estamos contaminados por tua presença escrita, não há mais retornar no tempo, voce bem sabe disso, e adoramos uns brechozinhos. Querida amiga preciso terminar antes que o tempo se vá. Aguardamos ansiosos e felizes o seu retorno positivooooooooo, e ,em breve , breve, breve te enviaremos fotos, vídeos, danças que exalarão dos nossos imbricados textos. bjs

Fafá Daltro, coreógrafa/dançarina Grupo X de Improvisação.